PET-QUÍMICA Unesp Araraquara

A Emergência da Vida

Jonatas Erick Maimoni Campanella

   Desde os tempos primórdios, somos rodeados por grandes perguntas, tais como “Quem somos?”, “De onde viemos?”, “Para onde vamos?”, questões muitas vezes levantadas pela biologia através dos séculos. Hoje está claro que tudo surgiu a partir do Big Bang. Mas, quando pensamos na grande “explosão” (que não foi uma explosão de fato, mas deixaremos isso para outra oportunidade) sempre pensamos em algo caótico, em um alto grau de desordem.

   Todavia, temos a formação de grandes galáxias, planetas altamente organizados, e quando explode uma estrela, surge uma supernova e de todo esse caos, surge certa ordem. Os átomos do nosso corpo são os mesmos encontrados no universo. Afinal, somos todos “poeiras das estrelas. Isso é muito interessante, pois a segunda lei da termodinâmica diz que a entropia é sempre crescente para processos espontâneos, que a desordem tem que aumentar. Ainda assim, podemos observar ordem emergindo, nossas células já são exemplos disso. E é isso que chamamos de emergência. Veja bem, caro leitor,  isso não significa numa quebra da segunda lei, apenas uma observação de que nem sempre aumento de entropia implica em um sistema altamente desorganizado.

   Toda vez que complexidade e ordem surgem espontaneamente a partir de um grande numero de interações simples, chamamos de emergência. Grãos de areia no deserto se chocam um no outro pelo vento, obedecendo as leis básicas da física clássica, e formam grandes dunas, com seus padrões e desenhos. Cardumes de peixes formam grandes figuras no mar. O mesmo pode ser observado para aves e morcegos. Ficar juntos, mas não tanto, procurar alimento e evitar predadores. (Figura 1).  Regras simples capazes de formar organizações complexas. É dessa forma que muitos cientistas acreditam que a vida surgiu na terra. Que a emergência poderia, pelo menos, ter criado os primeiros ingredientes essenciais para a vida.

Figura 1

Figura 1 . Exemplos de Emergência na natureza.

   No passado, as constantes tempestades e o alto número de compostos solubilizados na água que condensava da atmosfera, possibilitou o surgimento de compostos anfifílicos capazes de se organizar em micelas, acredita-se que esses compostos expunham sua região hidrofílica para fora, interagindo com a água e deixavam sua parte hidrofóbica para dentro, protegido da água. Com o passar do tempo, essas micelas passaram a ser formadas por bicamadas, chamadas de lipossomos, possibilitando o surgimento de verdadeiros arsenais de reações químicas (Figura 2). É importante deixar claro, que não foi o DNA, nem as proteínas que provavelmente surgiram primeiro, mas sim, a bicamada lipídica, pois foi com o surgimento dela que se possibilitou o ambiente ideal para o surgimento da vida.

Figura 2

Figura 2. Esquema de um lipossomo (membrana primitiva) e o modelo do mosaico fluido encontrado em membranas plasmáticas modernas.

   Stanley Miller e seu orientador Harold C. Urey, em 1953, realizaram um experimento muito inteligente que provou que a vida não surgiu por meio de um milagre, que a química e a física poderiam explicar o seu surgimento na atmosfera primitiva. O famoso experimento era constituído de um balão contendo gases comuns, como metano, amônia, gás carbônico e vapor d’agua excitados por faíscas, seguidos de uma condensação. A análise do material condensado surpreendeu a comunidade científica da época, pois continha aminoácidos e ingredientes precursores de lipídeos, açúcares e nucleotídeos (figura 3).

figura 3

Figura 3. O experimento de Stanley Miller; Retirado do livro “The Emergence of Life: From Chemical to Synthetic Biology” de Pier Luigi Luisi.

   Com tudo isso presente na água dos oceanos, cada vez mais essas pequenas micelas foram tornando-se mais complexas. Acreditam-se que as primeiras formas de vida, surgiram ao envolver moléculas presentes no meio de tal forma que elas encontravam no interior da micela, condições de pH e salinidade ideais para interagir, dando inicio ao material genético. Segundo Pier Luigi Luisi, professor de Química Macromolecular da Universidade de Zurique, Suíça, primeiramente teria surgido o RNA, que possibilitou o surgimento do ribossomo e a união dos dois deu origem a enzimas proteicas capazes de sintetizar moléculas de DNA, processo semelhante a uma transcriptase reversa presente em retrovírus.

   Com o surgimento dessas enzimas, foi possível sintetizar mais DNA, duplicando usando a dupla fita como molde e essa passou a ser a macromolécula mais importante dos seres vivos, pois ela era capaz de passar informação e a forma como essa informação era lida, foi o que Francis Crick chamou de “Dogma Central da Biologia Moderna”, a forma com que o DNA faz proteínas.

   Sabe-se que essa sequencia de fatores específicos como a leitura e o armazenamento da informação do gene em uma molécula de RNA mensageiro, a consequente tradução do mesmo por moléculas de ribossomos presentes do citosol e a origem de proteínas pela condensação de aminoácidos por ligações peptídicas caracteriza todo um processo que pode ser observado em todas as células, várias vezes ao dia, em todos os organismos do planeta Terra. Por isso, podemos considerar que esse processo foi a otimização da emergência, pois a partir de agora, o que iria definir a sobrevivência de um organismo ou não é a seleção natural (mas por hora ficaremos apenas na emergência da vida, a forma como ela foi tornando mais complexa e as contribuições de Darwin para a ciência deixaremos para o próximo texto).

Figura 4

Para saber mais sobre o assunto, visto que, esse é apenas um texto introdutório, sugiro a leitura do livro: “The Emergence of Life: From Chemical to Synthetic Biology” de Pier Luigi Luisi. 

Referências:

 

REDA, Daniel. Fundamentos de Biotecnologia – parte 1.

Acesso em: 15/04/2013

(http://www.youtube.com/watch?v=vUex0mGuv-s&feature=related)

 

LUISI, P. L. The Emergence of Life; From Chemical Origin to Sybtetic Biology. Cambridge University Press. 2006.

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