PET-QUÍMICA Unesp Araraquara

Arquivo para outubro, 2014

A Emergência da Vida

Jonatas Erick Maimoni Campanella

   Desde os tempos primórdios, somos rodeados por grandes perguntas, tais como “Quem somos?”, “De onde viemos?”, “Para onde vamos?”, questões muitas vezes levantadas pela biologia através dos séculos. Hoje está claro que tudo surgiu a partir do Big Bang. Mas, quando pensamos na grande “explosão” (que não foi uma explosão de fato, mas deixaremos isso para outra oportunidade) sempre pensamos em algo caótico, em um alto grau de desordem.

   Todavia, temos a formação de grandes galáxias, planetas altamente organizados, e quando explode uma estrela, surge uma supernova e de todo esse caos, surge certa ordem. Os átomos do nosso corpo são os mesmos encontrados no universo. Afinal, somos todos “poeiras das estrelas. Isso é muito interessante, pois a segunda lei da termodinâmica diz que a entropia é sempre crescente para processos espontâneos, que a desordem tem que aumentar. Ainda assim, podemos observar ordem emergindo, nossas células já são exemplos disso. E é isso que chamamos de emergência. Veja bem, caro leitor,  isso não significa numa quebra da segunda lei, apenas uma observação de que nem sempre aumento de entropia implica em um sistema altamente desorganizado.

   Toda vez que complexidade e ordem surgem espontaneamente a partir de um grande numero de interações simples, chamamos de emergência. Grãos de areia no deserto se chocam um no outro pelo vento, obedecendo as leis básicas da física clássica, e formam grandes dunas, com seus padrões e desenhos. Cardumes de peixes formam grandes figuras no mar. O mesmo pode ser observado para aves e morcegos. Ficar juntos, mas não tanto, procurar alimento e evitar predadores. (Figura 1).  Regras simples capazes de formar organizações complexas. É dessa forma que muitos cientistas acreditam que a vida surgiu na terra. Que a emergência poderia, pelo menos, ter criado os primeiros ingredientes essenciais para a vida.

Figura 1

Figura 1 . Exemplos de Emergência na natureza.

   No passado, as constantes tempestades e o alto número de compostos solubilizados na água que condensava da atmosfera, possibilitou o surgimento de compostos anfifílicos capazes de se organizar em micelas, acredita-se que esses compostos expunham sua região hidrofílica para fora, interagindo com a água e deixavam sua parte hidrofóbica para dentro, protegido da água. Com o passar do tempo, essas micelas passaram a ser formadas por bicamadas, chamadas de lipossomos, possibilitando o surgimento de verdadeiros arsenais de reações químicas (Figura 2). É importante deixar claro, que não foi o DNA, nem as proteínas que provavelmente surgiram primeiro, mas sim, a bicamada lipídica, pois foi com o surgimento dela que se possibilitou o ambiente ideal para o surgimento da vida.

Figura 2

Figura 2. Esquema de um lipossomo (membrana primitiva) e o modelo do mosaico fluido encontrado em membranas plasmáticas modernas.

   Stanley Miller e seu orientador Harold C. Urey, em 1953, realizaram um experimento muito inteligente que provou que a vida não surgiu por meio de um milagre, que a química e a física poderiam explicar o seu surgimento na atmosfera primitiva. O famoso experimento era constituído de um balão contendo gases comuns, como metano, amônia, gás carbônico e vapor d’agua excitados por faíscas, seguidos de uma condensação. A análise do material condensado surpreendeu a comunidade científica da época, pois continha aminoácidos e ingredientes precursores de lipídeos, açúcares e nucleotídeos (figura 3).

figura 3

Figura 3. O experimento de Stanley Miller; Retirado do livro “The Emergence of Life: From Chemical to Synthetic Biology” de Pier Luigi Luisi.

   Com tudo isso presente na água dos oceanos, cada vez mais essas pequenas micelas foram tornando-se mais complexas. Acreditam-se que as primeiras formas de vida, surgiram ao envolver moléculas presentes no meio de tal forma que elas encontravam no interior da micela, condições de pH e salinidade ideais para interagir, dando inicio ao material genético. Segundo Pier Luigi Luisi, professor de Química Macromolecular da Universidade de Zurique, Suíça, primeiramente teria surgido o RNA, que possibilitou o surgimento do ribossomo e a união dos dois deu origem a enzimas proteicas capazes de sintetizar moléculas de DNA, processo semelhante a uma transcriptase reversa presente em retrovírus.

   Com o surgimento dessas enzimas, foi possível sintetizar mais DNA, duplicando usando a dupla fita como molde e essa passou a ser a macromolécula mais importante dos seres vivos, pois ela era capaz de passar informação e a forma como essa informação era lida, foi o que Francis Crick chamou de “Dogma Central da Biologia Moderna”, a forma com que o DNA faz proteínas.

   Sabe-se que essa sequencia de fatores específicos como a leitura e o armazenamento da informação do gene em uma molécula de RNA mensageiro, a consequente tradução do mesmo por moléculas de ribossomos presentes do citosol e a origem de proteínas pela condensação de aminoácidos por ligações peptídicas caracteriza todo um processo que pode ser observado em todas as células, várias vezes ao dia, em todos os organismos do planeta Terra. Por isso, podemos considerar que esse processo foi a otimização da emergência, pois a partir de agora, o que iria definir a sobrevivência de um organismo ou não é a seleção natural (mas por hora ficaremos apenas na emergência da vida, a forma como ela foi tornando mais complexa e as contribuições de Darwin para a ciência deixaremos para o próximo texto).

Figura 4

Para saber mais sobre o assunto, visto que, esse é apenas um texto introdutório, sugiro a leitura do livro: “The Emergence of Life: From Chemical to Synthetic Biology” de Pier Luigi Luisi. 

Referências:

 

REDA, Daniel. Fundamentos de Biotecnologia – parte 1.

Acesso em: 15/04/2013

(http://www.youtube.com/watch?v=vUex0mGuv-s&feature=related)

 

LUISI, P. L. The Emergence of Life; From Chemical Origin to Sybtetic Biology. Cambridge University Press. 2006.

Há vida no Mar Morto

Deborah Vilhagra Faria

Quando falamos em Mar Morto, o primeiro pensamento que nos vem é que não há nenhuma forma de vida presente nesse ambiente. Mas será que isso é verdade mesmo?

mar morto1O Mar Morto se localiza na divisa de Israel com a Jordânia e está a 396 metros abaixo do nível do mar, depressão mais profunda da Terra. A lama presente em torno desse mar, na verdade um lago, tem propriedades terapêuticas e é utilizada para diversos tratamentos, desde artrite, dores musculares e o estresse como também para tratamentos de pele, sendo muito explorada pela indústria de cosméticos. Suas águas possuem um nível de salinidade altíssimo faz com que sua densidade seja maior do que a do corpo humano, levando seus turistas a flutuarem sobre as águas. Para efeito de comparação, os oceanos, em geral, possuem em média a concentração salina de 35 g/L sendo que 80% é composto por Cloreto de Sódio (NaCl) e os 20% restantes por Sulfato de Cálcio (CaSO4), Sulfato de Magnésio (MgSO4) e Cloreto de Magnésio (MgCl2). Por sua vez, o Mar Morto, possui concentração salina de 340 g/L, cerca de 10 vezes mais! Sua composição mineral é: 67% de cloro, 17% de magnésio, 10% de sódio e 0,2% de enxofre, sendo este último o responsável pelo forte odor.

A essas condições, não é possível encontrar nenhuma espécie de vida, pois por causa da alta concentração de sais, o efeito da osmose faz com que os organismos expostos sejam extremamente desidratados, visto que o meio externo é mais concentrado que o meio interno. Porém um mar morto2microrganismo em particular consegue suportar esse ambiente: a bactéria Haloarcula marismortui. Esse microrganismo, além de suportar condições extremas, também possui uma rota metabólica diferente dos demais, que utilizam o ciclo do glioxilato e a via da etilmalonil-CoA como rota para, a partir de acetil-CoA, transformar compostos necessários para a produção de glicose, fonte de energia. A H. marismortui utiliza o ciclo do metil-aspartato, sendo que essa via metabólica é mais extensa e oferece vantagens para que ela sobreviva à salinidade extrema, pois um dos intermediários do ciclo atua limitando os efeitos da osmose.

Portanto, o estudo desses tipos de microrganismos tem uma grande importância, pois através do uso de bactérias que sobrevivem a condições extremas é possível desenvolver diversas aplicações em benefício da sociedade, sendo uma delas o tratamento biológico de efluentes.

 

 

mar morto 3

 

 

Quasicristais: uma nova classe de sólidos

Fauller Henrique da Fonseca

Todo mundo já ouviu falar de cristais, mas nem todos sabem qual a definição científica dessa palavra. Segundo a antiga definição da cristalografia, cristal é uma substância na qual os átomos, moléculas ou íons que a compõe estão “empacotados” em um padrão regularmente ordenado e de repetição tridimensional. Porém, em 1992, essa definição passou por uma alteração devido a uma descoberta realizada por Dan Shechtman em 1982, os quasicristais. Trata-se de materiais que, como os cristais, também são formados por arranjos ordenados de átomos, que possuem um padrão, porém com a diferença de que esse padrão não segue uma ordem de repetição periódica.

Nessa época, Shechtman trabalhava como professor-assistente no Instituto Tecnológico Technion, em Israel. Numa manhã, enquanto observava uma liga de manganês e alumínio ao microscópio eletrônico, Shechtman obteve um padrão de difração que indicava um índice de simetria rotacional de ordem 10 (36˚). O resultado surpreendeu-o, pois até então admitia-se que cristais só poderiam apresentar simetrias de rotação de ordens 1, 2, 3, 4 ou 6 (ângulos de 360˚, 180˚, 120˚, 90˚ e 60˚, respectivamente). Shechtman sabia que outros pesquisadores já haviam obtido resultados parecidos com o dele, mas a maioria deles acabava por abandonar o trabalho devido ao paradigma já estabelecido. Porém Shechtman seguiu adiante com suas pesquisas. Na década de 1990, foram criados diversos grupos para estudar estes novos materiais.

quasicristais1

(a) Padrão de difração* obtido por Daniel Shechtman. (b) Sobre o padrão de difração, estão assinalados os círculos concêntricos contendo 10 pontos cada um e figuras com simetria de ordem 5. A razão entre os raios dos círculos adjacentes é de aproximadamente 1,6. *foto obtida no sítio da Fundação Nobel: http://www.nobelprize.org/nobelprizes/chemistry/laureates/2011/infopubleng2011.pdf

quasicristais2

Caderno de anotações de Daniel Shechtman mostra pontos de interrogação ao lado dos dados: o próprio cientista se surpreendeu com os resultados (Foto: Reprodução)

Continuou-se o trabalho durante dois anos e, com o apoio do professor Ilan Blech, publicou o primeiro artigo sobre sua descoberta na revista “Physical Review Letter”. Com a aprovação de Shechtman, os físicos Dov Levine e Paul Steinhardt publicaram também um artigo, no qual o termo “quasicristais” foi utilizado pela primeira vez, visto que o conceito de cristalinidade era insuficiente para explicar a essência destes materiais. Como previsto, alguns membros da comunidade científica não se convenceram do trabalho de Shechtman, entre eles Linus Pauling, que chegou até mesmo a escrever uma carta para a revista “Nature”, dizendo não acreditar nos resultados obtidos por Shechtman. Após a morte de Pauling, em 1994, os quasicristais foram sendo mais reconhecidos, já que a comunidade científica passou a levar mais em conta os feitos de Shechtman. Na década de 1990, foram criados diversos grupos para estudar esses novos materiais.

Enfim, em 1992, a União Internacional de Cristalografia alterou a concepção de cristais, que passou a ser a seguinte “qualquer sólido que tenha um diagrama de difração essencialmente discreto”. Esta definição, além de incorporar os quasicristais, abre espaço para novos tipos de materiais que possam ser descobertos. Os estudos de Dan Shechtman lhe renderam o prêmio Wolf, no ano de 1999, e o Nobel de Química, no ano de 2011.

Aplicações

Desde que os quasicristais foram descobertos, muito se estudou sobre eles e, inclusive, sintetizou-se vários deles em laboratório. Uma empresa sueca criou um aço inoxidável muito resistente, que vem sendo utilizado em lâminas e agulhas cirúrgicas. Alguns quasicristais vêm sendo utilizados como isolantes térmicos, antiaderentes e em materiais termoelétricos.

quasicristais3

Algumas das aplicações dos quasicristais, atualmente. Fonte: g1.com.br

 

Referências