Primavera Silenciosa: do retrospecto da autora à resenha da obra
Bruna Larissa Gama Cavalcante
Com o dom da palavra e da eloquência, Rachel Carson revolucionou a história ambiental do planeta, principalmente dos Estados Unidos, país onde nasceu e escreveu o último dos seus livros e também o mais polêmico, “Primavera Silenciosa” (Silent Spring).
A autora
Rachel Carson nasceu em Springdale, Pensilvânia, em 1907 e, sob a influência materna, acostumou-se a observar a natureza e seus encantos desde a infância. Formada em biologia na Faculdade da Pensilvânia para mulheres, R.C. [1] apaixonou-se pelo mar quando teve a oportunidade de estudar no Laboratório Biológico Marinho de Woods Hole, tornando-se, assim, uma bióloga marinha; mas que passou a escrever artigos para um jornal dos Estados Unidos, o Baltimore Sun, devido à falta de oportunidade na área das ciências para as mulheres, na década de 1930.
Nos anos seguintes, R.C. adquiriu experiência na escrita e juntou o que sabia fazer de melhor, escrever e ser bióloga marinha; assim, publicou três livros: “Beira-mar”, “O mar que nos cerca” e “Sob o mar-vento”, todos com o enfoque na sua especialidade, o mar. Estes livros a consagraram como uma das maiores escritoras da área das ciências nos Estados Unidos, pois a sua linguagem concisa e fácil de entender conquistou tanto os cientistas quanto os leigos que se interessavam pelo assunto.
Porém, a partir de janeiro de 1958, de alguma forma, tudo mudaria na sua vida. Nesta época, R.C. recebeu uma carta de sua amiga jornalista Olga Owens Huckins relatando a amarga experiência de ver seu quintal repleto de pássaros mortos devido a pulverizações aéreas de DDT [2]. E foi assim que despontou em R.C. a necessidade de escrever um livro sobre o que a afligia já há algum tempo, o uso indiscriminado de agrotóxicos em todo tipo de ambiente, seja este natural ou artificial.
A obra
Primavera Silenciosa surgiu a partir de extensas pesquisas durante quatro anos, contando com a colaboração de cientistas de diversos países. Lançado em setembro de 1962, provocou uma verdadeira reviravolta nos movimentos ambientalistas nos Estados Unidos e uma ira imensa por parte das indústrias químicas produtoras de inseticidas, herbicidas e fungicidas e os cientistas comprometidos com sua produção e pesquisa.
Este livro pode ser considerado uma compilação (ou metaforicamente, uma verdadeira “colcha de retalhos” muito bem concatenados) de inúmeros fatos históricos e pesquisas e seus resultados sobre as substâncias usadas como inseticidas e herbicidas nos Estados Unidos e em outras partes do globo a partir da década de 1940, ao que a autora chama de “Era dos venenos”. Além de registros, dentro da própria prosa, há diversas notas de opinião da autora, recheadas de ironias, desaprovações e indagações ao leitor.
Com uma metodologia alarmista e persuasiva, o livro começa com um relato de uma cidade harmoniosa, que ficou infestada por uma praga e que, de repente, uma série de acontecimentos cruéis com as pessoas, animais e vegetações ocorreu. Isto aconteceu porque houve a pulverização de veneno contra a praga que atingira a cidade. Ao final, R.C. diz que aquela cidade não é real, entretanto, cada acontecimento ali relatado ocorreu em alguma cidade dos Estados Unidos; enfim, o primeiro capítulo é a junção de todos os relatos descritos nos capítulos subsequentes.
À medida que se avança na leitura, é notável que o livro segue uma lógica. A preocupação que a autora tem de situar o leitor no tempo e no espaço e de explicar-lhe os termos das ciências e as substâncias químicas fica evidente logo nos primeiros capítulos. Desse modo, a cada capítulo lido, o leitor leva uma bagagem para compreender o capítulo seguinte. A exemplo, o terceiro capítulo, “Elixires da morte”, é totalmente reservado para descrever as substâncias químicas presentes em inseticidas os quais o livro tratará logo adiante. No capítulo, são apresentadas fórmulas estruturais de algumas substâncias, a história de algumas delas e suas propriedades. Do contrário, não faria sentido relatar a gravidade da situação se não houvesse uma explicação prévia dos efeitos dessas substâncias no ambiente e sua composição química.
Nos próximos capítulos, há inúmeros casos de como a pulverização de substâncias tóxicas afetaram negativamente diversos setores da natureza na tentativa de controlar os insetos e as plantas julgados daninhos. Esses setores são: as águas de rios e mares, os solos, a vegetação, a fauna silvestre e de criação, as águas subterrâneas e os seres humanos. Em todos esses relatos, R.C. deixa claro que não é expressamente contra esses métodos de controle de “pragas”, mas que achava completamente errado que fossem aplicados inseticidas e herbicidas sem saber ao certo o seu efeito sobre a natureza.
Segundo o que diz a autora, quando eram feitas pesquisas para saber quais os efeitos das substâncias sobre os animais, elas eram feitas sob condições completamente artificiais e isoladas, em ambientes laboratoriais, muito diferentes dos ambientes encontrados em florestas e em fazendas. Todavia, movidas pelo capitalismo, as indústrias químicas investiam cada vez mais em pesquisas para sintetizar novas substâncias para matar os insetos e as plantas indesejados e não contavam que prejudicariam os setores da natureza já descritos de forma tão grave como traçado pela autora.
Apesar de escrito entre o final da década de 1950 e o início da de 1960, o livro Silent Spring permanece com uma contemporaneidade admirável, que se encaixa nos tempos modernos do século XXI de uma forma quase perfeita. “Quase” perfeita, porque o contexto atual é completamente distinto do contexto de há mais de 50 anos, como exemplo, há as constantes referências à radiação. Na época em que foi escrito, havia menos de 20 anos que a Segunda Guerra Mundial acabara, ainda estava fresca na memória das pessoas a destruição causada pela bomba nuclear lançada em Hiroshima e em Nagasaki e os efeitos da radiação. Além disso, os Estados Unidos passavam pela Guerra Fria e, desse modo, havia uma tensão política no país que levava à iminente ideia de ataques nucleares. Com essa situação, R.C. conseguia fazer analogias aos efeitos maléficos das substâncias tóxicas utilizadas e chamar a atenção de cientistas e interessados no assunto.
Ao final, são apresentados alguns meios naturais, alternativos e benéficos de combate de insetos, como o predatismo e o uso de quimioesterilizantes. Assim termina a obra que mudou o rumo da história, que fez surgir no EUA, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) e que levou à proibição do uso de DDT no EUA em 1972.
Por sua coragem, determinação e preocupação com o futuro, R.C. conquistou muitas premiações e honrarias por ter escrito a obra mais impactante no mundo científico em sua época. Prematuramente, na primavera de 1954, aos 56 anos, um câncer silenciou para sempre a mãe do ambientalismo moderno.
[1] – R.C.: Rachel Carson
[2] – DDT: dicloro-difenil-tricloroetano
Referências Bibliográficas:
http://www.revistaecologico.com.br/materia.php?id=42&secao=536&mat=565
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/296/rachel-carson-ciencia-e-coragem
http://www.editoragaia.com.br/autores/busca-de-autores/?AutorID=3556
Torres, J. P. M.; Semente da ética ambiental. Ciência Hoje, vol. 46, n.º 275, out. 2010. Resenha, p. 76-77.
Carson, Rachel; Primavera Silenciosa [traduzido por Claudia Sant’Anna Martins]. 1.ed. São Paulo: Gaia, 2010.
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